A minha viagem e porque é que deves saber sobre ela.

Aventuras: o Garam Masala da vida, uma mudança de paradigma sobre duas rodas.

Tomás Sousa
5 min readJul 21, 2020

Dia 14 de Julho comecei a minha viagem solitária de bicicleta pela Costa Vicentina, inspirado pelo incrível One Cyclist in Lisbon, a minha filosofia era simples: ir para o mais sul possível aproveitando as praias e o campismo. Mas porquê fazer esta viagem?

Este ano de 2020 foi tenebroso, para todos, por razões diversificadas. Sinto desnecessário mais introduções e debates sobre este facto, falo dele porque é a motivação para o que se segue.

Em tempos mais difíceis encontro-me sempre à procura de um reset, uma atividade ou comportamento que me retire da zona de conforto e me faça perspetivar a vida diferentemente, por vezes um simples mergulho na água fria do mar ou um longo passeio de bicicleta bastam, no entanto este ano não foi de maneira nenhuma “simples”, por isso tempos difíceis requerem aventuras desesperadas. Subi ao selim deste desafio, com aventura em mente.

A Costa

Recentes tempos fizeram-nos valorizar quem e o que temos mais perto. É o caso do nosso país e o que tem para oferecer, infindáveis marés e brisas costeiras, intensos verdes e dias quentes.

Peguei em mim, na minha bike e nos conselhos daqueles que contactei, experientes neste tipo de viagens que tanto me ajudaram e pelos quais estão muito grato, e fui.

A viagem foi dura pelo calor, pelo a minha desabituação ao peso e centro de massa da bicicleta. Estou acostumado a fazer as minhas viagens pela cidade, quer seja no dia-a-dia como meio de transporte para a faculdade ou em voltas pela capital. Mas isso são as pequenas dificuldades no grande panorama que é uma aventura, são algumas das especiarias num mix de emoções.

As etapas

As etapas e distâncias variaram conforme as minhas vontades e intuições, até porque o estar sozinho significa estar mais livre e liberto de timings.

Primeira etapa: Tróia — Parque de Campismo da Galé
Segunda etapa: Parque de Campismo da Galé — Vila Nova de Milfontes
Terceira etapa: Vila Nova de Milfontes — Zambujeira do Mar
Quarta etapa: Zambujeira do Mar — Sabóia

Foi simplesmente incrível conseguir visitar estes locais, é uma experiência que aconselho a todos, limitado pelo tempo não completei a costa, fui o mais para sul que conseguia, no tempo que tinha, aproveitando o que aproveitei. No entanto, ainda não respondi à questão fulcral.

Porque é que deves saber sobre a minha viagem?

Agora que tenho parte da vossa atenção com aquela imagem linda da nossa costa chamo a atenção para algo maior.

Na minha viagem diária, estou a descer a Avenida do Brasil pela sua via reservada a bicicletas, vou no seu inicio colado ao Parque José Gomes Ferreira, desvio-me de alguns peões que devido a um passeio mal planificado andam na ciclovia. Espero num sinal para mudar de via, o sinal concede-me passagem mas eu já sei que tenho de esperar, pois encontro-me numa avenida longa sem radar, lombas ou controlo de velocidade, deixo passar o carro que avança flagrantemente passando num sinal vermelho em excesso de velocidade e continuo a minha ida para a faculdade.

“Obstáculos”

Ultrapassando o Hospital Júlio de Matos, sou obrigado a abrandar porque um casal de idosos caminha na ciclovia devido à diferença de qualidade de piso e estado degradado da calçada. Desvio-me de um ciclista que se encontra no meio da ciclovia com headphones a utilizar uma das bicicletas da cidade sem qualquer noção do meio circundante. Mais alguns metros e estou na faculdade, só tenho de ter atenção aos carros, peões e ciclistas irresponsáveis.

É assim a vida de um utilizador de bicicletas em Lisboa, temos de estar um passo à frente porque a cidade, os carros e os comportamentos não o estão.

Fiz esta viagem pela aventura e dedico-a à Ana Oliveira, que mesmo ao respeitar as regras de trânsito, ao atravessar uma passadeira de bicicleta foi mortalmente atropelada, porque assim como na Avenida do Brasil, estes comportamentos são transversais à cidade de Lisboa.

A cultura dos carros tem de terminar, a planificação da cidade tem de colocar as bicicletas e os peões primeiro, no entanto tem também de dificultar e penalizar os carros. A Câmara Municipal de Lisboa tem feito um bom trabalho na construção de ciclovias, na implentação das GIRA e no desenvolvimento do projeto ZER. Não chega, eventos como estes vão sempre acontecer enquanto o controlo não for mais apertado e os automobilistas saírem impunes de comportamentos graves.

O automóvel começou a ser publicitado como o melhor meio para ir do ponto A para B, com o passar do tempo a publicidade deste como uma máquina potente ainda reina, e como sempre, a sociedade em escassez de emoções e entusiasmada pela tecnologia consumiu a ideia. Está na altura dos automóveis voltarem a ser aquilo para que foram desenhados, não só por uma preocupação ambiental e económica mas também por óbvios motivos de segurança.

A família, por cslopes

Quero Lisboa para nós

Quero trabalhar numa cidade onde me sinta a mim e os que me rodeiam seguros, uma cidade de transporte verde e saudável, que mais se assemelha à Lisboa histórica que tanto amamos com os passeios públicos e jardins, do que agora com autoestradas internas. Espero que a minha aventura te incentive a olhar para a mobilidade urbana de outra forma caro leitor.

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